Funções Neuropsicológicas em Crianças
com Dificuldades de Leitura e Escrita1
Jerusa Fumagalli de Salles2
Maria Alice de Mattos Pimenta Parente
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
RESUMO – Nos estudos sobre a relação entre dificuldades de leitura e escrita e fatores neuropsicológicos associados,
controvérsias giram em torno de hipóteses de um possível desvio ou atraso de desenvolvimento. Para examinar esta polêmica,
o presente estudo comparou o desempenho em tarefas neuropsicológicas de crianças de 2ª série com dificuldades de leitura
e escrita (n=14) com o de dois grupos: um contrastando competência de leitura e escrita, mas não idade (n=15) e outro
contrastando idade, mas não competência de leitura e escrita (1ª série; n=9). Os resultados revelaram que o grupo de 2ª série,
com dificuldade de leitura e escrita, apresentou escores estatisticamente inferiores aos do grupo de 2ª série competente em
leitura e escrita em consciência fonológica, linguagem oral e memória fonológica, não diferindo significativamente do grupo
de 1ª série. Tais achados favorecem a hipótese de atraso de desenvolvimento destas funções neuropsicológicas em crianças
com dificuldades de leitura e escrita.
Palavras-chave: leitura; dificuldades de leitura e escrita; dislexias de desenvolvimento; processamento fonológico; funções
neuropsicológicas.
Neuropsychological Functions in Children
with Reading and Writing Difficulties
ABSTRACT – In the studies about the relationship between reading and writing difficulties and neuropsychological associated
factors there are controversies around the hypotheses of a possible deviation or developmental delay. To analyze this polemic the
present study compared the neuropsychological task performances of second grade children with reading and writing difficulties
(n=14) with two groups: one contrasting reading and writing competence, but not age (n=15), and the other contrasting age, but
not reading and writing competence (1st grade; n=9). The results showed that the scores of the second grade group with reading
and writing difficulties were statistically lower to second grade children competent in reading and writing in phonological
awareness, oral language and phonological memory, not differing significantly from the first grade group. Such findings favor
the developmental delay hypothesis of these neuropsychological functions in children with reading and writing difficulties.
Key words: reading; reading and writing difficulties; developmental dyslexia; phonological processing; neuropsychological
functions.
dia, fluência na língua materna, nenhum déficit sensorial
primário ou problemas emocionais (Wise, Ring & Olson,
1999). Apesar das diferentes terminologias propostas para
as dificuldades de leitura em crianças, vários autores as
colocam como equivalentes às dislexias de desenvolvimento
(Pinheiro, 1995, Selikowitz, 2001). Em função das
dificuldades apresentadas na escrita freqüentemente serem
tão graves quanto suas dificuldades com a leitura (Temple,
1997), e considerando os problemas com a definição do
quadro das dislexias de desenvolvimento (Salles, Parente
& Machado, 2004), neste estudo utilizamos o termo
dificuldades de leitura e escrita, que inclui crianças com
déficits no processamento receptivo (leitura) e expressivo
(escrita) de palavras e de texto.
Estudos sobre as dificuldades de leitura e escrita estão
sendo amplamente realizados em uma variedade de
idiomas (ver Smythe, Everatt & Salter, 2004). Questões
ainda controversas na literatura giram em torno dos fatores
neuropsicológicos associados e/ou causalmente relacio-
As dificuldades de leitura e escrita em crianças são
tema de interesse multidisciplinar, nos meios educacionais,
acadêmicos e clínicos. As estatísticas governamentais,
como as demonstradas pelo Sistema Nacional de Avaliação
da Educação Básica (SAEB), em 2003 (INEP, 2004), e o
cotidiano das escolas mostram um quadro preocupante
em termos de desempenho em leitura no Ensino Fundamental.
Uma dificuldade específica de leitura é definida pela
ocorrência de problemas significativos no reconhecimento
de palavras em crianças que apresentam inteligência mé-
1 Este estudo é parte da tese de Doutorado da primeira autora, sob
orientação da segunda. Professora Adjunto do Instituto de Psicologia
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS.
2 Endereço: Av. Ramiro Barcelos, 2600, sala 112, Instituto de Psicologia,
UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil 90035-003. E-mail: jerusafs@brturbo.
com.br ou jerusafs@yahoo.com.br
154 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Mai-Ago 2006, Vol. 22 n. 2, pp. 153-162
J. F. Salles e M. A. M. P. Parente
nados às dificuldades de leitura e escrita e da natureza
destas dificuldades (atraso ou desvio de desenvolvimento).
Um padrão de desenvolvimento de leitura desviante não é
observado em leitores normais em qualquer idade ou nível
de desempenho em leitura (Nunes, Buarque & Bryant,
2001). Por outro lado, há a possibilidade de que alguns
disléxicos apresentem um atraso em um amplo espectro
de habilidades de leitura, assemelhando-se aos leitores
normais mais jovens (Manis, Seidenberg, Dói, McBride-
Chang & Petersen, 1996).
Na perspectiva de Sternberg e Grigorenko (2003), as
dificuldades de leitura e escrita são decorrentes de uma
interação entre fatores biológicos, cognitivos e sociais.
Frith (1997) propõe um modelo causal da dislexia centrado
no déficit no processamento fonológico (nível cognitivolingüístico),
manifestado pelo baixo desempenho em
tarefas de consciência fonológica, memória fonológica e
nomeação rápida.
Grande parte dos estudos disponíveis compara o
desempenho de crianças disléxicas ao de leitores competentes
de mesma idade cronológica. Pesquisadores como
Bryant e Impey (1986) e Stanovich, Siegel e Gottardo
(1997b) criticam os estudos que apenas comparam disléxicos
e bons leitores de mesma idade cronológica, pois
existe a possibilidade de as diferenças entre os grupos de
mesma idade serem conseqüência e não causa das dificuldades
de leitura e escrita. Essa hipótese é representada
pelo fenômeno conhecido como “efeito Matthew”, descrito
por Stanovich (1986). As crianças que vão bem na escola
tendem a ser mais estimuladas e desafiadas a progredir,
enquanto que aquelas que apresentam dificuldades tendem
a serem menos exigidas.
Desta forma, argumenta-se a favor de um delineamento
metodológico comparativo que inclua, além dos leitores
competentes e não competentes de mesma série e idade,
um terceiro grupo, com mesmo desempenho em leitura e
escrita dos não competentes, mas em início do processo
de aprendizado.
Comparando disléxicos a leitores normais de mesma
idade, há diferenças nas habilidades de processamento
visual (Cestnick & Coltheart, 1999; Wimmer, 1993) e de
processamento fonológico, como consciência fonológica,
memória fonológica e nomeação seqüencial rápida (Ackerman,
Holloway, Youngdahl & Dykman, 2001; Breznitz,
2002; Guimarães, 2003; Jong, 1998; Manis, Custodio &
Szeszulski, 1993; Mayringer & Wimmer, 2000; O’Malley,
Francis, Foorman, Fletcher & Swank; 2002; Swanson &
Alexander, 1997; Wimmer, 1993). Porém, comparando
crianças disléxicas a leitores mais jovens, emparelhados
por desempenho em leitura, em alguns estudos não foram
encontradas diferenças em tarefas de memória (Stanovich
& cols., 1997b; Wimmer, 1993), consciência fonológica
(Manis & cols., 1997; Wimmer, 1993), consciência sintática
(Guimarães, 2003; Stanovich & cols., 1997b) e
processamento visual (Wimmer, 1993).
Em relação à consciência fonológica, uma habilidade
metalingüística relacionada à consciência dos sons em
palavras faladas, Nunes e cols. (2001) advogam a favor
de diferenças quantitativas entre crianças disléxicas e
outras crianças, afirmando que todas elas têm inicialmente
dificuldade em se tornarem conscientes da estrutura fonológica
de sua língua. Desta forma, os disléxicos poderiam
estar na parte inferior do contínuo da habilidade de consciência
fonológica.
Contrariando esses resultados, há estudos mostrando
diferenças significativas entre crianças disléxicas e o
grupo emparelhado por desempenho em leitura nas tarefas
de consciência fonológica (Guimarães, 2003; Manis &
cols., 1993, 1997; Stanovich & cols., 1997b), nomeação
rápida de números (Wimmer, 1993) e memória de trabalho
(Jong, 1998). No estudo de Guimarães (2003), realizado
no Brasil, as crianças com dificuldade de leitura e escrita,
cursando 3ª e 4ª séries, apresentaram escores estatisticamente
inferiores aos dos dois grupos comparação (um com
desempenho semelhante em leitura e escrita e outro com
a mesma idade cronológica) nas tarefas de consciência
fonológica. Jong (1998) encontrou resultados semelhantes
em tarefas de memória de trabalho, o que, segundo ele,
reflete uma inabilidade geral das crianças com dificuldades
de leitura para simultaneamente processar e estocar
informação verbal.
É quase unânime na literatura a constatação de que os
disléxicos apresentam déficits nas habilidades de processamento
fonológico, apesar da dificuldade de generalizar
os achados das avaliações destas habilidades para outras
línguas (Everatt, Smythe, Ocampo & Gyarmathy, 2004).
Porém, há estudos indicando que o déficit em consciência
fonológica, por exemplo, não é encontrado em todas as
crianças disléxicas (Landerl & Wimmer, 2000; Manis
& cols., 1997). Ackerman e cols. (2001) referem que
o fator ACID do WISC (déficit em aritmética, código,
informação e span de dígitos) e aritmética também estão
associados à aquisição da leitura e escrita. Além disso,
déficits em percepção visual (Davis, Castles, McAnally
& Gray, 2001; Manis & cols., 1996; McCloskey & Rapp,
2000), bem como na codificação de informações visuais e
auditivas (Pammer & Vidyasagar, 2005) também têm sido
encontrados em alguns disléxicos.
Este estudo visa analisar o desempenho em habilidades
neuropsicológicas (perceptivo-motoras, linguagem oral,
velocidade de processamento, consciência fonológica,
memória verbal e memória não-verbal) das crianças de
2ª série com dificuldade de leitura e escrita, utilizando o
método comparativo com dois grupos de crianças, de mesma
idade, leitoras e escritoras competentes, e de mesmo
desempenho em leitura e escrita (1ª série). Visa também
analisar as correlações entre as tarefas de leitura e escrita
e as outras funções neuropsicológicas.
Método
Participantes
De uma amostra de 110 crianças de 2ª série do Ensino
Fundamental de cinco escolas públicas estaduais de Santa
Maria – RS, foram selecionados dois grupos:
1) Grupo de 2ª série com dificuldades de leitura e escrita:
formado por alunos cujo desempenho em quatro tarefas
de leitura e escrita foi mais do que um (1) desvio-padrão
Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Mai-Ago 2006, Vol. 22 n. 2, pp. 153-162 155
Dificuldades de Leitura e Escrita
abaixo da média total dos alunos daquela classe escolar.
A média de idade das crianças foi 8,43 anos (DP = 0,62).
Quatro crianças haviam repetido uma série escolar.
2) Grupo de 2ª série competente em leitura e escrita:
formado por crianças que apresentaram desempenho em
quatro tarefas de leitura e escrita superior a um (1) desviopadrão
em relação à média dos alunos da referida classe
escolar. A média de idade das crianças foi de 8,21 anos
(DP = 0,33).
Um terceiro grupo, formado por nove crianças de 1ª
série, foi selecionado de uma amostra total de 19 crianças
de uma turma de 1ª série de escola pública estadual. Neste
grupo, emparelhado por desempenho em leitura e escrita,
as crianças apresentaram o mesmo espectro de escores das
crianças do grupo de 2ª série com dificuldades de leitura
e escrita nas tarefas de leitura e escrita de palavras. A
média de idades das crianças deste grupo foi de 7,06 anos
(DP = 0,25).
A seleção dos dois grupos de 2ª série seguiu uma
adaptação do critério estatístico baseado no desvio padrão,
usado em outros estudos da área (ver Simmons, Kuykendall,
King, Cornachione & Kameenui, 2000). Foi criado
um escore final com a soma do desempenho das crianças
na leitura de palavras isoladas, categoria de reconto de
história lida (medida de compreensão textual), escrita de
palavras isoladas e categoria de produção textual (escrita
de história), na forma de variáveis padronizadas. Aqueles
casos que apresentaram valores superiores a um (1) foram
enquadrados no grupo de 2ª série competente em leitura e
escrita, enquanto aqueles que apresentaram valores inferiores
a menos um (-1) fizeram parte do grupo de crianças
com dificuldades de leitura e escrita. Esta análise foi feita
separadamente em cada escola.
Foram critérios de exclusão da amostra: 1) suspeita
de déficit auditivo e/ou visual não corrigidos; 2) histórico
de problemas neurológicos adquiridos; 3) portadores de
necessidades educativas especiais, em regime de inclusão;
e 4) desempenho no teste de Matrizes Progressivas Coloridas
de Raven igual ou inferior a 25% (“intelectualmente
deficiente” ou “definidamente abaixo da média”).
A Tabela 1 apresenta o desempenho dos grupos nas
avaliações de leitura e escrita de palavras, usadas para
a seleção dos mesmos. Como era esperado, o grupo de
2ª série com dificuldade de leitura e escrita apresentou
escores estatisticamente inferiores aos do grupo de 2ª
série competente em leitura e escrita, na leitura de palavras
(F(2;34)=14,36; p<0,01) e na escrita de palavras
(F(2;33)=37,73; p<0,01), mas não se diferenciou do grupo
de 1ª série.
Procedimentos e Instrumentos
Neste estudo, com delineamento quase-experimental
de grupos contrastantes ou de grupos controles não equivalentes
(Nachmias & Nachmias, 1996), as crianças de
cada um dos três grupos foram submetidas à avaliação da
linguagem oral, habilidades perceptivo-motoras, velocidade
de processamento, consciência fonológica, memória
de curto prazo verbal e memória não-verbal.
Os instrumentos usados para selecionar os grupos de
2ª série – leitura de palavras isoladas e compreensão de
leitura textual (Salles & Parente, 2002 a, b), escrita de
palavras isoladas e escrita de história (produção textual)
– estão descritos de forma detalhada em Salles (2005).
As tarefas de avaliação das habilidades perceptivomotoras,
velocidade de processamento, memória de curto
prazo verbal, memória de curto prazo não-verbal e de
consciência fonológica (rima e aliteração) foram retiradas
do “International Dyslexia Test” – IDT (Smythe & Everatt,
2000), instrumento elaborado por Ian Smythe e colaboradores,
do Departamento de Psicologia da Universidade de
Surrey, Inglaterra. No Brasil ele foi traduzido e adaptado
por Capovilla, Smythe, Capovilla e Everatt (2001). A
autorização para uso do instrumento foi obtida através
do consentimento do autor e de uma das pesquisadoras
responsáveis pela tradução para o português.
A seguir são apresentadas as tarefas usadas na avaliação
das funções neuropsicológicas:
1. Habilidades perceptivo-motoras: a) batidas rítmicas
(a criança deveria reproduzir seqüências rítmicas) e b)
discriminação de sons (a criança deveria dizer, para cada
par de palavras, se as mesmas eram iguais ou diferentes).
O escore final foi dado em porcentagem de respostas
corretas.
2. Linguagem oral (compreensão oral de história): a)
número de cláusulas recontadas e b) categoria de reconto
de história ouvida. A criança deveria ouvir com atenção
a história e posteriormente recontá-la. A história contém
24 cláusulas, conectadas em uma rede de sete níveis,
conforme modelo de compreensão textual de estrutura
causal de Trabasso e van den Broek (1985): setting, primeira
ação, segunda ação (estabelecimento e resolução
do problema), terceira, quarta e quinta ações e avaliação.
Os recontos foram enquadrados em uma entre cinco
categorias de compreensão oral de textos, com base em
Tabela 1. Caracterização dos grupos quanto ao desempenho (média e desvio padrão) nas tarefas de leitura e escrita de palavras isoladas.
Legenda: a , b = médias seguidas de letras iguais não diferem significativamente ao nível de 1%.
Grupo de 2ª série competente em
leitura e escrita (n=15)
Grupo de 2ª série com dificuldade de
leitura e escrita (n = 14)
Grupo de 1ª série (n = 09)
Média DP Média DP Média DP
Leitura de palavras 91,23a 5,34 57,47b 22,16 55,53b 20,94
Escrita de palavras 77,03a 7,54 35,00b 15,03 45,56b 11,37
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J. F. Salles e M. A. M. P. Parente
Brandão e Spinillo (2001). As categorias variaram desde
reproduções desconectadas de frases, histórias diferentes
daquela lida ou narrativas que se limitam a frases que
marcam a abertura e o fechamento de histórias (Categoria
I), até reprodução completa da história, em que as idéias
centrais e as inferências são reproduzidas de maneira
articulada (Categoria V).
3. Velocidade de processamento: a) nomeação rápida
de figuras (a criança deveria nomear uma seqüência de
desenhos) e b) nomeação rápida de números (a criança
deveria nomear rapidamente seqüências de números). O
escore foi dado em segundos.
4. Consciência fonológica: a) aliteração (dentre três
palavras, a criança deveria identificar qual delas começava
com som diferente das demais); b) rima (dentre três
palavras, a criança deveria dizer qual terminava com som
diferente das demais); c) exclusão fonêmica (a criança deveria
dizer como ficava a palavra após excluir um fonema
determinado pelo examinador); e d) subtração fonêmica
(a criança deveria retirar um som do começo do estímulo
– monossílabo sem significado). Para esta última tarefa
foram selecionados alguns itens do subteste subtração
fonêmica do Teste de Habilidades Metafonológicas, elaborado
por Godoy (2001). Para cada tarefa de consciência
fonológica foi registrada a porcentagem de acertos.
5. Memória verbal: a) repetição de palavras (a criança
deveria repetir seqüências de duas a cinco palavras, na
mesma ordem falada pelo examinador); b) repetição de
pseudopalavras (a criança deveria repetir seqüências de
uma a quatro pseudopalavras, na mesma ordem falada pelo
examinador); e c) repetição inversa de números (a criança
deveria repetir seqüências de dois a cinco dígitos na ordem
inversa). A pontuação nestas três tarefas foi feita em
porcentagem de seqüências repetidas corretamente e em
número de itens da maior lista repetida corretamente.
6. Memória não-verbal: a) desenho de formas de
memória (a criança deveria desenhar de memória figuras
sem significado, mostradas uma por vez); b) seqüência de
formas (a criança deveria organizar um conjunto de figuras
na mesma seqüência e orientação do modelo dado). No
desenho de formas cada desenho foi pontuado de 1 a 3,
conforme a semelhança ao modelo. A correção da tarefa
seqüência de formas envolveu a porcentagem total de
linhas com a seqüência correta.
Além da pontuação individual em cada tarefa, foram
criados escores únicos, na forma de escala, para cada
função neuropsicológica. Para isso, os escores das tarefas
foram transformados em escalas de cinco itens, como: 1
= 0% – 20%; 2 = 21% – 40%; 3 = 41% – 60%; 4 = 61%
– 80% e 5 = 81% – 100%. Os escores finais foram obtidos
com a média aritmética dos escores (em forma de escala)
nas tarefas que integram cada função neuropsicológica.
Para a comparação de médias entre os três grupos nas
habilidades neuropsicológicas avaliadas foram utilizadas
análises de covariância (Ancovas), tendo como covariante
o percentil no Teste de Raven, escala especial (Angelini,
Alves, Custódio, Duarte & Duarte, 1999). Foram analisadas
as contribuições independentes do grupo de estudo
(2ª série com dificuldade de leitura e escrita, 2ª série
competente em leitura e escrita e 1ª série) e do teste de
Raven nas diferenças de médias (Modelo Custom). Esse
procedimento foi usado para corrigir as diferenças iniciais
entre os grupos de 2ª série na variável desempenho no
Teste de Matrizes Progressivas de Raven.
Resultados
As médias dos escores únicos nas funções neuropsicológicas,
para cada grupo, são apresentadas na Tabela
2. Na comparação de médias entre os grupos, foram
encontradas diferenças estatisticamente significativas
em linguagem oral (F(2;34)=7,88; p<0,01), consciência
fonológica (F(2;34)=16,44; p<0,01) e memória não verbal
(F(2;34)=18,03; p<0,01). Em consciência fonológica e em
linguagem oral, o grupo de 2ª série competente em leitura
e escrita apresentou escores estatisticamente superiores aos
do grupo de 2ª série com dificuldade de leitura e escrita e
do grupo de 1ª série, que não diferiram significativamente
entre si. Na memória não-verbal, o grupo de 1ª série
apresentou escores estatisticamente inferiores aos dos
outros dois grupos.
A Tabela 3 apresenta o desempenho dos grupos nas
tarefas que avaliaram as funções neuropsicológicas mencionadas
anteriormente. A média do número de cláusulas
recontadas da história ouvida do grupo de 2ª série com-
Legenda: a , b, = médias seguidas de letras iguais não diferem significativamente ao nível de 5%.
Tabela 2. Desempenho (média e desvio padrão), na forma de escala, em cada função neuropsicológica, por grupo.
Grupo de 2ª série competente em
leitura e escrita (n = 15)
Grupo de 2ª série com dificuldade
de leitura e escrita (n = 14)
Grupo de 1ª série (n = 09)
Média DP Média DP Média DP
Perceptivas e motoras 4,00 a 0,38 3,68 a 0,50 3,61 a 0,33
Linguagem oral 3,60 a 1,12 2,36 b 0,77 2,05 b 0,88
Velocidade de processamento 4,27 a 0,84 4,25 a 1,10 3,78 a 0,90
Consciência fonológica 4,45 a 0,39 2,82 b 1,17 2,64 b 0,81
Memória verbal 3,27 a 0,49 2,90 a 0,55 2,93 a 0,49
Memória não verbal 3,87 a 0,52 3,61 a 0,62 2,61b 0,42
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Dificuldades de Leitura e Escrita
petente em leitura e escrita foi estatisticamente superior a
dos outros dois grupos (F(2;33)=8,06; p<0,01). Em todas
as tarefas de consciência fonológica novamente o grupo de
2ª série competente em leitura e escrita apresentou escores
estatisticamente superiores aos dos outros dois grupos: rima
(F(2;34)=6,7; p<0,01); aliteração (F(2;34)=10,89; p<0,01);
exclusão fonêmica (F(2;34)=10,22; p<0,01) e subtração
fonêmica (F(2;32)=10,74; p<0,01).
Nas tarefas que avaliaram memória verbal, os três
grupos conseguiram manter mais elementos da tarefa de
repetição de palavras reais, seguido pela lista de dígitos e,
por fim, pela lista de pseudopalavras. O grupo de 2ª série
com dificuldades de leitura e escrita apresentou escore estatisticamente
inferior ao do grupo de 2ª série competente
em leitura e escrita na tarefa de repetição de pseudopalavras
(F(2;34)=4,41; p<0,05), mas não diferiu significativamente
do grupo de 1ª série.
De todas as tarefas da bateria neuropsicológica, a tarefa
de desenho de formas de memória foi a única em que o grupo
de 2ª série com dificuldade de leitura e escrita diferiu significativamente
do grupo de 1ª série (F(2;34)=9,1; p<0,01).
Crianças da 1ª série apresentaram escore estatisticamente
inferior ao dos outros dois grupos nessa tarefa. O escore no
teste de Raven (covariante) não contribuiu nas diferenças
de médias entre os grupos nas tarefas avaliadas.
No reconto de história ouvida (compreensão da linguagem
oral), no grupo de 2ª série competente em leitura e
escrita, a maioria das crianças (66,6%) atingiu as categorias
mais altas de reconto (Categorias IV e V), como mostra a
Tabela 4. Os grupos de 2ª série com dificuldade de leitura
e escrita e de 1ª série apresentaram resultados semelhantes,
concentrando-se nas Categorias II e III de reconto de história
ouvida. O coeficiente de concordância entre juízes no
estabelecimento da categoria de reconto de história ouvida
para os integrantes dos grupos de 2ª série foi 0,951 (teste
W de Kendall).
Na análise da consistência interna dos instrumentos de
avaliação que compõem a bateria neuropsicológica, o valor
do Alfa de Cronbach foi igual a 0,82. As correlações entre as
tarefas de leitura e escrita, utilizadas na seleção dos grupos,
e as outras funções neuropsicológicas (teste de Correlação
de Spearman), são expostas na Tabela 5.
Discussão
Os resultados da avaliação neuropsicológica evidenciam
que o grupo de 2ª série com dificuldades de leitura e escrita
Tabela 3. Desempenho (média e desvio padrão) nas tarefas que compõem a bateria de avaliação neuropsicológica, por grupo.
Legenda: a , b
Grupo de 2ª série competente Grupo de 2ª série com dificuldade Grupo de 1ª série
Média DP Média DP Média DP
Atividades perceptivas e
motoras
Discriminação de sons (%) 94,33 a 03,20 92,14 a 08,02 92,22 a 03,63
Batidas rítmicas (%) 50,55 a 16,80 39,88 a 16,40 34,26 a 09,72
Linguagem oral
No de cláusulas recontadas da
história
09,47 a 04,44 05,31 b 02,36 03,67 b 03,08
Velocidade de processamento
(segundos)
Nomeação rápida de figuras 41,8 a 09,20 40,21 a 09,79 45,11 a 06,88
Nomeação rápida de números 77,47 a 12,99 85,14 a 24,89 91,89 a 24,75
Consciência fonológica
Rima (%) 77,67 a 12,08 56,79 b 21,18 53,89 b 19,65
Aliteração (%) 88,00 a 13,20 57,50 b 25,78 46,67 b 25,00
Exclusão fonêmica (%) 82,67 a 21,20 40,00 b 24,81 37,78 b 33,83
Subtração fonêmica (%) 93,63 a 05,90 60,22 b 26,23 50,50 b 34,50
Memória verbal
Repetição de palavras (%) 66,67 a 18,44 55,10 a 17,59 50,79 a 20,34
Repetição de pseudopalavras (%) 62,50 a 11,57 50,00 b 10,96 55,56 a, b 12,67
Span dígitos inverso (%) 48,96 a 12,45 40,18 a 17,11 37,50 a 18,76
Memória não verbal
Seqüência formas memória (%) 88,00 a 12,65 87,14 a 20,16 75,56 a 13,33
Desenho de formas de memória
(soma escores de cada lâmina)
11,07 a 01,87 10,21 a 02,33 07,55 b 01,51
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J. F. Salles e M. A. M. P. Parente
apresentou déficits em consciência fonológica, linguagem
oral e na tarefa de repetição de pseudopalavras, quando
comparado ao grupo de 2ª série competente em leitura e
escrita.
As diferenças entre os grupos em consciência fonológica
e em memória fonológica (repetição de pseudopalavras)
são esperadas, conforme o modelo causal da dislexia como
um déficit fonológico (Frith, 1997). As diferenças entre
estes dois grupos na tarefa de reconto de história ouvida
indicam que as crianças do grupo de 2ª série com dificuldade
de leitura e escrita apresentam dificuldades mais
gerais, não específicas à leitura e escrita, que se estendem
a alguns processos de linguagem oral. Como recontar histórias
ouvidas envolve, além de habilidades lingüísticas
compreensivas, habilidades de memória, elaboração de
inferências, conhecimento geral e produção de narrativa,
as diferenças entre os grupos nesta tarefa podem também
ser devidas a estas habilidades subjacentes.
Comparado ao grupo de 1ª série, o de 2ª série com
dificuldade de leitura e escrita diferiu apenas em memória
não-verbal, sendo superior aos mais jovens nesta
habilidade. Portanto, crianças de 2ª série com dificuldade
de leitura e escrita foram semelhantes às crianças de 1ª
série nas funções perceptivo-motoras, linguagem oral,
velocidade de processamento, consciência fonológica e
memória verbal. A superioridade das crianças de 2ª série
com relação ao grupo de 1ª série na memória não-verbal
pode estar relacionada à idade, tempo de escolarização
e às habilidades práxicas, também envolvidas na tarefa.
Portanto, excluindo as funções perceptivo-motoras e a
velocidade de processamento, as quais nenhum dos grupos
diferiu significativamente, é possível supor que o grupo
de 2ª série com dificuldades de leitura e escrita apresenta
atraso de desenvolvimento das habilidades de consciência
fonológica, linguagem oral e memória fonológica.
Tabela 4. Freqüência (número e porcentagem) de crianças em cada categoria de reconto de história ouvida, por grupo.
Tabela 5. Matriz de correlações entre as tarefas de linguagem escrita e as outras funções neuropsicológicas avaliadas (n = 38).
Legenda: * = p<0,05; ** = p<0,01.
As diferenças encontradas no presente estudo entre os
grupos de 2ª série, competente e com dificuldade de leitura
e escrita, foram também encontradas em outros estudos
que defendem o modelo de dificuldade de leitura baseado
no déficit no processamento fonológico – consciência
fonológica e memória de trabalho fonológica (Beitchman
& Young, 1997; Frith, 1997; Mody, 2003; Morais, 1996;
Pennington, 1997; Snowling, 2004; Torgesen, Wagner &
Rashotte, 1994). Ao contrário dos estudos de Mayringer e
Wimmer (2000) e de Wimmer (1993), a presente pesquisa
não mostrou diferenças entre os grupos na nomeação
rápida de figuras e de números.
Mody (2003) explica as dificuldades dos leitores
fracos em termos de déficits na codificação de representações
fonológicas, que gera dificuldades em tarefas de
identificação e discriminação fonêmicas, repetição de
pseudopalavra e percepção de fala no ruído, todas elas
dependentes de representações fonológicas completas na
memória de trabalho.
No presente estudo, as diferenças entre os grupos foram
além da consciência fonológica e memória fonológica,
estendendo-se para o reconto de história ouvida. Hagtvet
(2003) também encontrou que leitores com fracas habilidades
de decodificação foram piores do que os médios e bons
decodificadores em tarefas de compreensão da linguagem
oral e escrita, como reconto de histórias. O autor aponta
um alto grau de interdependência entre compreensão da
linguagem oral, compreensão escrita e leitura de palavras
Reconto de história ouvida
Grupo de 2ª série competente em
leitura e escrita
Grupo de 2ª série com dificuldade
de leitura e escrita
Grupo de 1ª série
N % N % N %
Categoria I 0 00,00 1 07,10 1 11,10
Categoria II 3 20,00 3 21,40 3 33,33
Categoria III 2 13,30 9 64,30 4 44,44
Categoria IV 5 33,30 1 07,10 1 11,11
Categoria V 5 33,30 0 00,00 0 00,00
Leitura palavra Escrita palavra Reconto história lida Produção escrita história
Percepto-motoras 0,41** 0,33* 0,4* 0,38*
Linguagem oral 0,53** 0,49* 0,61** 0,5**
Velocidade processamento 0,11 -0,04 0,36* 0,08
Consciência fonológica 0,85** 0,69** 0,81** 0,77**
Memória verbal 0,19 0,23 0,36* 0,38*
Memória não verbal 0,34* 0,31 0,47** 0,26
Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Mai-Ago 2006, Vol. 22 n. 2, pp. 153-162 159
Dificuldades de Leitura e Escrita
e pseudopalavras. Nesse estudo, os decodificadores fracos
também apresentaram desempenho significativamente
mais baixo do que os outros dois grupos em vocabulário,
sintaxe, consciência fonológica, span de dígitos e QI.
Os achados do presente estudo foram semelhantes aos
encontrados em outra pesquisa com crianças brasileiras,
com e sem dificuldades na escrita, emparelhadas por idade
(Capovilla & cols., 2001). Porém, na pesquisa de Capovilla
e cols. (2001), além das diferenças em consciência fonológica
e memória de curto prazo verbal, os grupos também
diferiram em nomeação rápida de números.
Em outro estudo nacional, realizado por Godoy (2001),
dois grupos de crianças de 1ª a 4ª séries, com e sem queixa
escolar de dificuldade de leitura, emparelhadas por idade,
diferiram significativamente em tarefas de consciência
fonêmica (inversão fonêmica e subtração fonêmica), mas
não na repetição de pseudopalavras.
No estudo de Everatt e cols. (2004) apenas os grupos
de crianças falantes do inglês, com e sem dificuldades de
escrita, diferiram em aliteração e repetição de palavras.
As crianças húngaras, com e sem dificuldades de escrita,
foram semelhantes nessas habilidades, sugerindo que suas
dificuldades de escrita decorrem de outros fatores, como
velocidade de processamento ou processo visual/ortográfico
(Smythe & Everatt, 2000) ou que as medidas usadas
não foram sensíveis o suficiente para detectar diferenças
(Everatt & cols., 2004).
As semelhanças entre os grupos de 2ª série com dificuldade
de leitura e escrita e de 1ª série em funções neuropsicológicas
foram também encontradas nos estudos de
Stanovich, Siegel e Gottardo (1997a, b), com os disléxicos
de superfície, sugerindo um atraso de desenvolvimento.
Os resultados do presente estudo foram semelhantes aos
encontrados por Wimmer (1993) com crianças alemãs, e
por Manis e cols. (1997), com crianças norte-americanas.
Em ambos estudos, os grupos com dificuldades de leitura
diferiam nas tarefas de consciência fonológica apenas dos
controles emparelhados por idade cronológica, mas não
dos emparelhados por desempenho em leitura.
As pesquisas sobre os fatores relacionados às dificuldades
de linguagem escrita, na sua grande maioria, giram
em torno das dificuldades de leitura, mas está implícita a
hipótese de que os mesmos fatores estão subjacentes às
dificuldades de escrita. Manis e cols. (1993) supõem que
devido à maior necessidade de precisão na representação
ortográfica para a escrita, quando comparada à leitura, é
plausível que a escrita de palavras irregulares seja mais
afetada por déficits fonológicos do que outras tarefas que
requeiram conhecimento ortográfico.
A atenção é uma outra função que pode estar subjacente
aos resultados na testagem realizada. Snowling (2004)
refere que muitas crianças disléxicas têm problemas no
controle atencional, além de considerar a possibilidade de
deficiências no processamento perceptual e na memória
visual exacerbarem as dificuldades de leitura.
No presente estudo as tarefas de consciência fonológica,
habilidades perceptivo-motoras e linguagem oral
apresentaram correlações significativas com todas as
avaliações de leitura e escrita utilizadas na seleção dos
grupos. A memória verbal correlacionou com reconto
e produção escrita de história. Velocidade de processamento
correlacionou apenas com reconto de história lida
(compreensão textual). As correlações entre as funções
neuropsicológicas e as habilidades de leitura e escrita
eram esperadas, considerando que essas habilidades
envolvem percepção, memória, consciência fonológica,
correspondência grafema-fonema, aprendizado de regras,
capacidade de fazer inferências lingüísticas, entre outras
habilidades (Bryant & Bradley, 1987).
A existência de uma forte relação entre leitura e
consciência fonológica é amplamente relatada na literatura
(Cardoso-Martins, 1995; Guimarães, 2003; Morais,
1996; Salles, 2001; Salles & Parente, 2002a; Share, 1995;
Tunmer, Herriman & Nesdale, 1988; Wagner & Torgesen,
1987). Apesar de estudos correlacionais não permitirem
inferências causais, um nível mínimo de sensibilidade
fonológica é necessário para o aprendizado da leitura
(Tunmer & cols., 1988), assim como a aquisição de habilidades
de leitura afeta o desenvolvimento subseqüente da
consciência fonológica (Wagner & Torgesen, 1987). Além
da relação com a leitura de palavras, o processamento fonológico
tem um papel importante e independente também
no processamento de textos (Engen & Hoien, 2002).
A contribuição precisa da memória de curto-prazo para
o desenvolvimento da leitura não está completamente compreendida,
mas supõe-se que o locus desta contribuição
esteja no desenvolvimento da estratégia de recodificação
fonológica. A memória fonológica contribui para a aprendizagem
de longo-prazo das regras de correspondência
letra-som (Gathercole & Baddeley, 1993), para o estoque
dos segmentos fonológicos gerados no uso desta mesma
estratégia (Gathercole, Willis & Baddeley, 1991) e para
codificar seqüências de sons da fala na ordem correta
(Parkin, 1993).
Como no presente estudo, Cardoso-Martins e Pennington
(2001) e Neuhaus, Foorman, Francis e Carlson
(2001) encontraram relação entre a leitura de textos e a
nomeação seriada rápida (velocidade de processamento).
O automatismo em processos mais básicos de leitura
é fator importante para a compreensão de leitura textual.
A leitura e a escrita são atividades psicolingüísticas
complexas, que abrangem uma série de subprocessos e envolvem
diversas funções neuropsicológicas. Os resultados
deste estudo com crianças brasileiras vão ao encontro de
grande parte dos achados da literatura internacional e de
alguns estudos nacionais disponíveis. As diferenças encontradas,
dentre outros fatores, podem estar relacionadas ao
sistema de escrita na qual as crianças foram alfabetizadas,
aos estímulos e tipos de tarefas utilizados nas avaliações,
no que se refere à precisão e sensibilidade das medidas,
assim como a forma de seleção dos grupos.
Considerações Finais
Apesar da defasagem apresentada em consciência
fonológica, linguagem oral e repetição de pseudopalavras
nas crianças com dificuldades de leitura e escrita estudadas,
cujas dificuldades manifestavam-se tanto no nível de
palavras isoladas assim como no processamento textual,
160 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Mai-Ago 2006, Vol. 22 n. 2, pp. 153-162
J. F. Salles e M. A. M. P. Parente
seu desempenho foi semelhante ao do grupo de 1ª série
nessas habilidades. Esse resultado sugere que o grupo de
2ª série com dificuldade de leitura e escrita apresenta um
atraso de desenvolvimento das habilidades de consciência
fonológica, memória fonológica e linguagem oral e não
um padrão desviante.
Deve-se, contudo, interpretar com cautela tal inferência,
já que não é possível garantir que o grupo de 1ª série
seja, na íntegra, composto por crianças que representem
o padrão de desenvolvimento típico das habilidades de
leitura e escrita. Uma outra ressalva importante é que
estudos de grupo obscurecem a variabilidade existente
nas crianças com dificuldades escolares, o que pode ser
evidenciado com estudos de casos.
Os resultados aqui encontrados têm implicações para
os programas de intervenção, preventivos e terapêuticos.
O desempenho rebaixado do grupo com dificuldades de
leitura e escrita nestas funções dá indícios de que as mesmas
devem ser incluídas em programas que favoreçam
o desenvolvimento de tais habilidades. Sugere-se, para
futuras pesquisas, a realização de estudos de intervenção,
no qual se testa eficácia terapêutica e de estratégias
preventivas das dificuldades de leitura e escrita. A partir
da identificação de possíveis fatores causalmente relacionados
às dificuldades de leitura e escrita, a intervenção
com base nesses fatores poderia confirmar a natureza
causal da relação.
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