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Psicoterapia para sobreviventes

Psicoterapia para sobreviventes
Técnicas terapêuticas e capacitação de agentes de saúde ajudam na recuperação de pessoas com stress pós-traumático causado por violência, conflitos e miséria
por Manson Inman

O pobre e o dinheiro, 1882, Aquarela de Vicent Van Gogh/Museu Van Gogh, Amsterdam
Há quatro anos, o menino chamado aqui pelo nome fictício de Mohamed Abdul, de 13 anos, escapou da guerra civil na Somália. Por muito tempo teve pesadelos e flashbacks das cenas terríveis que vivenciou. Aos 9 anos, foi pisoteado por uma multidão que fugia pelas ruas e ficou internado por duas semanas. Um mês após, presenciou as conseqüências aparentes de um massacre: 20 corpos boiavam no oceano. Pouco tempo depois, militares atiraram em sua perna, deixaram-no inconsciente e estupraram Halimo, sua melhor amiga, uma garota de sua idade. Durante sua recuperação no hospital, Mohamed sofria não só pela dor física, mas, principalmente, sentia-se devastado pelo medo e pela culpa de não ter conseguido ajudar a menina. Ele tinha acessos de fúria sem ser provocado e confundia pessoas que conhecia com os bandidos e ameaçava matá-las. Meses depois, deixou sua terra natal e foi para um assentamento de refugiados em Nakivale, em Uganda. Nessa época, afirmou: “Eu sentia duas personalidades dentro de mim. Uma era esperta, boa e normal; a outra, louca e violenta”.

Ele sofria de transtorno de stress pós-traumático, uma desordem caracterizada pelo medo e pela repetição de uma recordação intensa e vívida
do evento traumático. Felizmente, esse campo de refugiados contava com um recurso: o psicólogo Frank Neuner, da Universidade de Bielefeld, na Alemanha, estava oferecendo aos 14.400 africanos do acampamento, principalmente ruandeses, a “terapia da exposição narrativa”. Essa abordagem persuade os sobreviventes do trauma a assimilar as memórias à própria história de vida para que possam recuperar o equilíbrio emocional. Depois de quatro sessões, com duração de 60 a 90 minutos cada, os sonhos repetitivos e as recordações de Mohamed desapareceram; ainda se assustava com facilidade, mas não perdia o controle e os médicos o consideraram curado.

Historicamente, pesquisadores e trabalhadores de serviços humanitários de países em desenvolvimento negligenciaram a saúde mental, focando problemas como subnutrição, doenças e mortalidade infantil. Para o psiquiatra Atif Rahman, da Universidade de Liverpool, na Inglaterra, “o que mudou nos últimos dez anos é o entendimento de que o bem-estar físico não pode ser separado do mental”.

Experiências recentes com psicoterapia mostram que é possível melhorar a vida de sobreviventes de guerra, como o pequeno Mohamed, de mães paupérrimas com depressão pós-parto e de outras vítimas do stress causado pela pobreza. A chave para a viabilidade desses programas inclui o treinamento de cidadãos comuns para atuarem como conselheiros. Em alguns casos, o procedimento pode ser coadjuvante de outras terapias, mas há situações em que ajudam tanto que é possível dispensar o uso de psicotrópicos. Embora muitos considerem distúrbios mentais uma espécie de praga da vida moderna, algumas desordens são, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais prevalentes nos países em desenvolvimento. Das dúzias de guerras e conflitos armados ao redor do mundo, em quase todas as nações, a violência leva ao transtorno do stress pós-traumático, dificultando a recuperação das pessoas – e do país – após o fim dos conflitos.

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