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Alucinações hipnagógicas com Interpol







Você já passou um dia inteiro, digamos, jogando cartas, e na hora de dormir ficou vendo naipes, figuras e números desfilando por seus olhos fechados? Ou jogou Tetris (é, eu sou do tempo do Tetris no Macintosh, com direito a musiquinha russa) de manhã até os neurônios fundirem, e à noite ficou vendo, mesmo sem querer, pecinhas coloridas deslizarem aos seus lugares até adormecer? Não se preocupe, você é normal: o replay dos eventos marcantes (sobretudo se repetitivos) do dia na hora de adormecer é conhecido da ciência, e tem até nome. São as alucinações hipnagógicas, maneira chique de dizer "criações sensoriais do seu cérebro na hora de dormir", já estudadas pelo neurocientista-craque-em-sono Robert McCarley (aliás, justamente com voluntários que jogaram Tetris até não poder mais).
Minha experiência hipnagógica mais recente foi com o Interpol, jogo de tabuleiro que as crianças ganharam de amigos nossos e que fez grande sucesso também (ou sobretudo!) com os adultos da casa. Para quem ainda não foi apresentado, trata-se de um jogo de gato-e-rato *sem dados* (muito importante!) onde um ladrão deve fugir de táxi, ônibus, metrô ou balsa pelas ruas de Londres, com de 3 a 5 detetives no seu encalço. Jogar envolve ficar olhando fixamente para o tabuleiro, mapeando estações e possibilidades de fuga do ladrão, que só aparece de vez em quando. Comecei como ladra, com os três me caçando - e concluímos que assim fica fácil demais; é preciso ter ao menos 4 detetives no tabuleiro para ter uma possibilidade honesta de cercar o ladrão. Depois foi a vez da minha filha ser ladra; depois, do meu filho (meu marido preferiu continuar no comando da Central de Polícia, amarradão com uma possibilidade de usar seu conceito de Grafos Balanceados) - e logo já era hora de dormir, após termos passado ao menos três horas encarando o tabuleiro atentamente.
Resultado: deitei para dormir, fechei os olhos - e, mesmo ouvindo meu marido conversar comigo, tudo o que via eram ruas de Londres, estações numeradas e trajetórias coloridas de ônibus, táxis e metrô deslizando na minha frente. O mesmo, em graus diferentes, devia estar se passando nos cerebrinhos dos meus filhos, em suas camas respectivas. Pelo jeito meu cérebro decidiu que, de tanto tempo que passou processando aquela informação, ela devia ser importante e merecia ser guardada com cuidado. Acho que funciona, mesmo: alguns dias e várias outras partidas depois, já conhecemos bastante bem as possibilidades do tabuleiro, e sei de cor os números de algumas estações de metrô. Um dia desses jogaremos uma partida "a sério", eu fugindo e meu marido tentando me pegar com seus Grafos Balanceados...

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